Meia-Noite em Paris (2011)

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a crítica

Muito se tem falado do novo filme Woody Allen como um projecto saudosista, de nostalgia pela Idade de Ouro da arte europeia, retractando um artista norte-americano que se rende aos encantos de Paris como musa inspiradora em oposição ao pragmatismo capitalista da sua actividade como argumentista de filmes para Hollywood. Permitam-me porém desenvolver um diferente ponto de vista sobre a mais recente obra de Woody Allen, que é sem dúvida uma das mais ricas
obras do cineasta americano.
Clement Greenberg foi um reconhecido crítico de arte norte-americano, responsável segundo dizem, pela ascensão da vanguarda americana da arte, e também do reconhecimento de Pollock. Foi Greenberg que com o célebre ensaio "Modernist Painting" deu à arte americana o estatuto de upgrader do Impressionismo Abstracto que os americanos vieram buscar à Europa. Apesar do ensaio não ter por assunto elevar a arte americana ao estatuto de vanguarda (o texto refere-se à importância do médium na criação da arte), foram precisamente artistas dessa nacionalidade que passaram à prática esta importância do médium (simplificando, o médium, são os instrumentos de criação da arte), abrindo um novo capítulo à corrente artística,
nomeadamente da pintura, do séc. XX. Contudo, é preciso não esquecer que este início da vanguarda norte-americana da pintura não se deve a um paradigma totalmente novo inventado pelos artistas do país. Foi essencial, para um jovem país que precisava acompanhar a Modernidade dos europeus, vir precisamente à Europa "comprar" arte e levá-la para a América. Sem uma herança cultural de relevo (as únicas culturas locais seriam a dos índios, ingleses e irlandeses mas que o genocído, a guerra e a exploração laboral interessavam continuar varridas para baixo do tapete), deu-se uma grande importação de cultura europeia para a América do Norte, rapidamente trabalhada e transformada em algo não distante do original, mas suficientemente diferente para legitimar direitos de autor.
Ora, o que me parece que o filme de Woody Allen faz, é devolver a vanguarda das artes à Europa. Começa pela capa do filme que é do autor holandês Van Gogh, continuando com o facto de todos os artistas que aparecem no imaginário do protagonista ao longo do filme serem europeus ou radicados em Paris, e com o próprio personagem que é o paradigma entre a forma mercantilista como a América vê os seus artistas (que lhe trás mágoa e desinspiração) e a romântica europeia. É interessante, por exemplo, a sequência em que a família da noiva está numa loja de antiguidades a comprar objectos caríssimos para impressionar as visitas que irão ter quando voltarem ao domicílio americano, retractando assim a tendência de comprar tesouros à Europa que chegam à América como uma significação totalmente distinta da original. O que "Midnight in Paris" faz, numa última análise, é voltar a dar legitimidade à Europa na concepção das artes. Woody Allen parece desencantado com a forma como estas são tratadas no seu país, ao colocar um artista romântico sobre o jugo da crítica e intelectualidade de pacotilha (o Paul interpretado por Martin Sheen) e dos interesses financeiros que Allen estende inclusivamente ao tecido familiar.
"Midnight in Paris" é no meu ponto de visita um dos mais relevantes trabalhos de Woody Allen, que interroga todo o processo artístico actual, e não só sobre a forma de nostalgia ou saudosismo, mas identificando todos os males da cultura contemporânea fortemente influenciada pelo ethos americano.”
Paulo Figueiredo, Cinema PTGate