Django Libertado (2012)

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a crítica

Enquanto realizador, Quentin Tarantino desenvolveu ao longo da sua carreira uma marca registada que lhe permitiu filtrar todo e qualquer assunto de forma a apropriar-se positivamente da discussão e dar uma opinião pessoal, que passa invariávelmente por relevar a natureza violenta do ser humano. Olhando para trás, vemos que o excesso, a violência e o humor negro são constantes, desde «Cães Danados» (1992) até «Sacanas Sem Lei» (2009). Mas apesar dessa violência gráfica visceral, Tarantino não deixa de conseguir surpreender com argumentos, diálogos e castings soberbos, que fazem com que o lote de características dos seus filmes seja bem mais abrangente do que a mera violência. Sobretudo no duo «Kill Bill» (2003/04) (dos filmes com mais mortes na história do cinema...) e em «Pulp Fiction» (1994). A questão com Tarantino é se os temas que o cineasta aborda ficam suficientemente trabalhados para que se ressalve algo mais do que os maneirismos do seu realizador.

No passado, podíamos afirmar que o olhar frio e perturbador do quotidiano em «Pulp Fiction» tinha a mesma profundidade de um «Taxi Driver» (Scorsese, 1976) e que «Kill Bill» era uma espécie de fusão apaixonada entre o anime, o cinema asiático e o americano com grande efeito. Mas outros filmes como «À Prova de Morte» e «Sacanas Sem Lei» vivem muito das taras do realizador (o grindhouse e os filmes de gangsters) sem que haja qualquer espécie de consequências de maior. Tratam-se, a meu ver, de filmes menores na filmografia de Tarantino essencialmente porque os assuntos abordados são irrelevantes.

«Django Libertado» é, por seu lado, tudo menos irrelevante. Nas entrevistas que entretanto deu, Tarantino afirma que apesar de estarmos no séc. XXI, o racismo continua a ser uma realidade e que subsistem traumas da era da escravatura. Suponho que Quentin se esteja essencialmente a referir aos EUA, mas não poderia estar mais de acordo. Mesmo na Europa, que durante séculos viveu da escravatura (Portugal incluidissimo), esse racismo subsiste e é não só de género, mas também religioso e económico. A Novembro de 2012, a Comissão Contra o Racismo e Intolerância (ECRI) alertava inclusivamente para um agravar de comportamentos de discriminação racial devido à crise económica, por isso estamos a falar de um fenómeno de alguma forma varrido para debaixo do tapete, mas bem presente no nosso quotidiano. Para além disso, não é incomum virem a público episódios de escravatura, em que pessoas foram obrigadas a viver durante períodos alargados em climas muito similares às que se viviam nos tempos em que a escravatura era permitida. O tema é por isso pertinente e Tarantino seria o realizador ideal para o trabalho.

Mas compare-se as versões de Lars Von Trier e Quentin Tarantino sobre o mesmo assunto. Enquanto que «Manderlay» (2005) é um olhar sobre a escravatura sobre égide de Hegel e a dialéctica entre o "mestre" e o "escravo", na luta pelo reconhecimento e dominação; «Django Libertado» é essencialmente um espasmo de libertação em que Django é sinónimo de um pragmatismo cuja solução é literalmente a lei das balas. Tarantino mais uma vez simplifica através da violência pura e dura, um tema que merecia um trato mais sério e menos pitoresco. Tarantino sabe bem que o cinema comercial não vive de assuntos ou filosofias sérias, é só preciso entreter as pessoas, e também sabe que a melhor maneira de o fazer é perfilar um underdog revoltado que desata aos tiros e a repôr justiça.

Tarantino acaba somente por ser igual a si próprio. Todos os seus maneirismos podem ser encontrados neste filme. A violência selvática, os diálogos brilhantemente simples e um casting perfeito (Christoph Waltz merece um Óscar!), são símbolos de um realizador que independentemente do assunto tratado, não tem interesse em fugir à sua lógica quase naïve, sobre a qual deposita toda a sua obra. Se isto é bom ou mau, cabe a cada espectador decidir por si.”
Paulo Figueiredo, Cinema PTGate