a crítica
O Super-Homem é um herói especial. Terá sido o primeiro e ainda é dos poucos cujos poderes não foram adquiridos por qualquer (in)fortuito acontecimento, mas antes porque é um extra-terrestre. Nasceu em Krypton e foi enviado para a Terra, para fugir à destruição do seu planeta, e esses poderes extraordinários nasceram com ele.
Esta noção essencialmente estética, cobre outras ideias bem mais interessantes. Nomeadamente, o facto de ter sido criado para representar o ideal americano de liberdade e indivualidade, face ao perigo do socialismo e do colectivismo de leste. Associado ao Super-Homem, sempre esteve uma base de propaganda não só social mas de guerra, e uma forte conotação eugenista de perfeição e utilitarismo. Mas para além deste factor propagandístico, sabemos que o super-herói move-se em terrenos ainda mais subliminares no nosso inconsciente. Porque razão gostamos tanto de heróis? Porque razão um filme anunciado como um investimento moderno milionário e o retorno do ícone do homem-perfeito em tempos tão conturbados como os que vivemos, se tornam num aperitivo massificado?
A falta de referências políticas e uma liderança desacreditada serão respostas credíveis. Embora Friedrich Nietzsche tenha sido dos primeiros pensadores a falar numa revolução cultural e na necessidade de se tentar perfeiçoar a condição humana e elevá-la a à condição de super-humano, já na Grécia homérica a noção de herói era utilizada para transportar o homem para a eternidade, como se pode ainda hoje constatar na leitura das epopeias «Íliada» e «Odisseia». Na verdade a noção de ídolo é uma das mais antigas do ser humano. A procura de uma referência ideológica fez subir a altares, tronos e púlpitos inúmeras figuras de liderança, assim como a figura do Super-Homem fez sobressair em toda a cultura ocidental (e hoje não só) a vontade de sermos herós, perfeitos... americanos.
Ao nível do inconsciente, o mito do herói escava ainda mais fundo, revelando um complexo da falta de liberdade que resulta de um recalcamento da força criadora (Eros). O recalcamento desta pulsão de vida, por via de proibições, comportamentos e condicionantes, leva a que se criem subterfúgios para uma vida ideal, da qual resultam os super-heróis e na verdade, toda a cultura. Deste modo torna-se perfeitamente compreensível, que se assista neste filme a uma demonstração de transcendências da condição humana por via de velhos sonhos humanos com o de voar, mas também a um sintoma próprio dos nossos tempos: a vontade de libertar a outra força que Freud distinguiu no ser humano: a pulsão de morte. Não é por acaso que a destruição a que se assiste é absolutamente colossal e que tem sido uma constante em filmes recentes do género (basta pensar nos «Vingadores» e em «Homem de Ferro 3»). O estado actual da nossa civilização é acima de tudo um "mal-estar na civilização", que leva a que o público tenha a necessidade de: a) substituir referências e ídolos, b) de sonhar ser o herói transformador, c) de ver o edifício do seu descontentamento ser destruído.
«Homem de Aço» é a meu ver mais um produto de uma civilização a precisar de terapia do que de entretenimento.”
Paulo Figueiredo,
Cinema PTGate