O Grande Gatsby (2013)

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a crítica

Dificilmente a adaptação de «The Great Gatsby» encontraria melhor altura para dar o ar de sua graça, pela pertinência em falar do "sonho americano" enquanto dilema social. O conto de F. Scott Fitzgerald gira à volta de um personagem misterioso e milionário que oferece aos habitantes da zona de Nova Iorque opulentas festas no seu castelo, onde se reúnem tanto as principais figuras do jet set da região como os mais imberbes teenagers e artistas. Contudo, todo este aparato tem um objectivo para Gatsby, que os espectadores vão desvendando ao longo do livro.
Baz Luhrmann seria um dos realizadores mais indicados para a adaptação deste livro para o cinema. A sua filmografia conta com filmes onde o termo "realidade aumentada" usado em entrevistas por Leonardo Di Caprio faz toda a justiça. A teatralidade e manipulação do espectador através de um hábil jogo de câmaras, fizeram de «Moulin Rouge» e «Romeu & Julieta» cânones do cinema romântico como colocaram Luhrmann no mapa dos realizadores mais sui generis de que há memória, goste-se ou não, do seu estilo over the top. As presenças de Leonardo Di Caprio e Tobey Maguire também se justificam não só pelo talento reconhecido, mas porque ambos são amigos de infância e juntamente com Baz, formam um núcleo duro de trabalho cuja amizade já tem uma longa história fora das telas.

Embora não tenhamos a confirmação dentro do filme, será acertado dizer que Maguire interpreta Scott Fitzgerald, já que é sob a narração deste, à medida que escreve o livro como método terapêutico numa instituição psiquiátrica, que o filme nos é contado. A própria personagem de Maguire tem pouca interferência no desenrolar da acção, funcionando quase sempre como intermediário ou testemunha. É através dos seus olhos que assistimos ao momento capital do filme, na tensão entre Gatsby (Caprio) e Tom Buchanan (Joel Edgerton). Di Caprio traz para o filme todo o know-how que foi adquirindo ao longo dos anos com as suas preciosas colaborações com Scorsese, Tarantino e Sam Mendes. O tom sóbrio mas nervoso que empresta ao personagem é sublime, que comporta uma dimensão idealista-romântica, mas corrompida pela necessidade de obtenção de estatuto social para fazer vingar toda a sua ideologia (sobre isto já lá iremos). O actor acaba por ser igual a si mesmo, talvez sem o impacto desejável para um personagem tão meticulosamente desenhado por Scott Fitzgerald, mas ainda assim capaz de ombrear com as suas melhores interpretações, num misto de Cobb (A Origem) e Howard Hughes (O Aviador) com Jack Dawson (Titanic) e Frank Abagnale Jr. (Apanha-me Se Puderes). É também curioso verificar que este é o mais romântico papel de Di Caprio de há muitos anos a esta parte. Nem mesmo «A Origem» estava embebido no sentimentalismo que «O Grande Gatsby» exibe. Porém, neste caso, Caprio e Baz souberam bem equilibrar essa faceta com os comportamento obsessivos-compulsivos que Gatsby demonstra na sua vontade de controlo sobre a vida.

Podemos interpretar «O Grande Gatsby» de várias maneiras, sendo as mais óbvias o romance quixotesco e o contexto sócio-económico que no momento se vivia em Nova Iorque no início dos anos 20. Os anos de exuberância, fruto da prosperidade da máquina de fazer dinheiro de Wall Street, faziam de Long Island o Eldorado para muita gente oriunda dos quatro cantos do mundo.
F. Scott Fitzgerald partiu para a feitura deste conto com o propósito de desmistificar ou pelo menos problematizar o "sonho americano", debatendo com Gatsby os efeitos de uma vida feita em função do querer fazer dinheiro e obtenção de estatuto social, e acredito que é precisamente neste tema (e não no romance) que Baz Luhrmann mais incide as suas câmaras. A sequência do confronto entre Gatsby e Buchanan põe em disputa os dois estereótipos que Fitzgerald reconhece em Nova Iorque dos anos 20: aquele que lutou para um dia vir a ser rico, fazendo disso uma luta social constante, e aquele que o é porque nasceu nessa condição. Fitzgerald demonstra que por muito que se queira, o "sonho americano", embora esteja enraizado na ideia de competitividade igual e pela conquista de um lugar ao sol, sempre existiu enraizado numa hierarquia social denominada pela condição social de origem, que só muito a custo pode ser superada. O romancista norte-americano vai mais longe e descreve uma possível alienação por força deste "sonho americano", impedindo verdadeiros sonhos de se tornarem realidade.

Naquele que é na minha opinião o seu melhor filme, Baz Luhrmann conseguiu eficazmente transmitir este dilema com ajuda da sua "realidade aumentada" e, claro, com o auxílio precioso de excelentes actores. ”
Paulo Figueiredo, Cinema PTGate